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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

POESIA PARA A SEGUNDA-FEIRA

HORA ABSURDA (Fernando Pessoa)


O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...

Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...

E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas

Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...



Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...

O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...

Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e entanto

Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

(...)

Hoje o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um porto...

A chuva miúda é vazia... A Hora sabe a ter sido...

Não haver qualquer cousa como leitos para as naus!... Absorto

Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...


Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,

Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,

Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,

E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

(...)

Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!

Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam

Do Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram

Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...


O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono

da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada

E sente saudades de si ante aquele lugar-outono...

Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

(...)

Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora...

As próprias sombras estão mais tristes... Ainda

Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora

Um como que eco de passos pela alameda que eis finda...


Todos os casos fundiram-se na minha alma...

As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...

Secou em teu olhar a idéia de te julgares calma,

E eu ver isso em ti é um porto sem navios...

(...)

Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...

Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...

Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...

Por que não há de ser o Norte o Sul?... O que está descoberto?...


E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te

E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...

Há cousas rubras e cobras no modo como medito-te,

E a tua idéia sabe à lembrança de um sabor de medonho...

(...)

Alguém vai entrar pela porta... Sente-se o ar sorrir...

Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...

Ah, oteu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,

O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...


É preciso destruir o propósito de todas as pontes,

Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,

Endireitar à força a curva dos horizontes,

E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

(...)

Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...

Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!...

Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,

Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema - Vitória!


O que é que me tortura?... Se até a tua face calma

Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...

Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...

Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...

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