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segunda-feira, 9 de março de 2009

Lembranças de Porto Walter...

Aconteceu há muitos anos, quer dizer, há alguns anos.

A crise financeira mundial andava com a trouxa na cabeça procurando uma casa para se arranchar o que por ali não era nada difícil.

Em Porto Walter, talvez ela não encontrasse pouso em umas seis casas apenas. Que faço questão de citar: A casa paroquial, o colégio das freiras, no Seu Elias, no Seu Nel, no Seu Ari e no Tio Raimundo Jararaca.

A fome corria de casa em casa assombrando os pais de família que se rebolavam entre a mendicância e o trabalho forçado para garantir o sustento dos filhos.

O lago do Humaitá era a salvação dos infelizes, com sua variedade de peixes, principalmente curimatãs, maparás, mocinhas (da comum e do peito-fino), cascudas ou choronas, carás (Açú, Biquara, Preto, Barrao, Assaí, Branco e De asa), bodes (Casa-véia, Tronqueira, Jurema, Mão-na-cara, Fura e Cachimbo), lustrosas, cagonas, moelas, cangatis, traíras, tucunarés, piranhas, gatas e mucuras.

Omiti de propósito o cuiú, o surubim e o caparari. Omiti porque, além de raros, eram uma praga para furar uma tarrafa de 0.6 e deixar nos desafortunados pescadores aquele “quase deu...” e depois um silêncio de quem se põe a imaginar o peso, o comprimento ou o tamanho do assombro que o Zé Lopes faria entre os trabalhadores do padre.

Em tempos de crise, exercita-se a imaginação: Um livro ou um desenho bem feito esquecido no meio da casa poderia ser devorado pelo cachorro ou o gato, assim aparecesse nele a gravura de um pedaço de carne ou outra comida qualquer. Imagino porque também tinha vontade.

De vez em quando Deus fazia cair um pau ou mandava uma cobra para picar algum boi. Só assim tinha carne para se comprar.

A salvação eram as galinhas e os capões (reservados às mulheres de resguardo), as latas de conserva ou sardinha (se parece redundante é porque antigamente conserva era apenas de origem bovina enquanto sardinha era sardinha mesmo).

Lá em casa tínhamos umas trinta galinhas para garantir a alimentação nos dias que não tivesse nada. Mas os gatos (de quatro e dois pés) começaram a devorar nossas galinhas. Sem freezer para armazenar todas as galinhas, caso a solução fosse matar todas de uma vez, meu pai decidiu fazer um pequeno cercado de varas para prendê-las durante o dia impedindo-as de ganhar as matas e não voltarem mais.

Num sábado pela manha, fomos convocados por nosso pai para carregar varas da capoeira que circundava nossa casa. Ele, na frente com o terçado selecionando as varas mais aprumadas e nós (Rocha, Altaniro, Marquinhos e eu) transportando a carga para o terreiro.

A certa altura, lá pelas 11 horas, quando a preguiça já tinha atacado a todos nós, encontramos no meio do caminho do Seu Duda um amigo do nosso pai conhecido como Seu Manel Peruano.

Altaniro ia à frente, seguido por nós à pequena distância e imagino a cara que vinha fazendo, pois o amigo peruano do nosso pai ao olhar para ele disse a frase que é repetida de vez em quando lá em casa quando tem alguém de mau humor:

“Oh, rapaz, seja mais simpático, faça ao menos um sorriso...”.

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