Pe. José Antonio Pires de Almeida - OMI *
Em Recife, uma menina que foi estuprada pelo padrasto durante três anos, juntamente com sua irmã que é deficiente mental (Onde estava a mãe? Três anos?) ficou grávida. Como os médicos acharam que a menina corria risco de vida foi feito um aborto.
D. José Cardoso Sobrinho, arcebispo local, resolveu dar seu palpite e falou um monte. Perdeu uma magnífica oportunidade de manter-se calado.
Sua presença à frente da arquidiocese de Recife e Olinda causou e continua causando dolorosas fraturas na vida daquela igreja. Indicado para substituir D. Hélder Câmara não se tem registro de algum gesto seu digno do grandioso bispo e profeta que o antecedeu.
Segundo a revista ISTO É, no início dos anos 90, D. João Evangelista Martins Terra, auxiliar de D. Dedé, como D. José Cardoso é conhecido, chegou a encaminhar uma carta para a Nunciatura Apostólica em Brasília. Dom João descreveu o arcebispo como uma pessoa que “não tem capacidade de diá¬logo. É muito autoritário, rancoroso e vingativo. Incapaz de perdoar”.
Mas vamos aos fatos. Em primeiro lugar cumpre dizer que o arcebispo não excomungou ninguém. Ele citou o Código de Direito Canônico que em seu parágrafo 1398 reza: “Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”.
Pelas leis católicas uma punição pode ser FERENDAE SENTENTIAE, que só tem valor depois de promulgada pela autoridade eclesiástica, ou LATAE SENTENTIAE, quando é aplicada automaticamente a alguém que incorre no delito, como no caso de Recife.
Além do aborto a excomunhão LATAE SENTENTIAE atinge:
1. Quem joga fora a hóstia e o vinho consagrados ou usa-os para fins que não aqueles para os quais são destinados.
2. Quem agride fisicamente o papa.
3. O padre que transa com alguém e depois perdoa esta pessoa em confissão, por pecado contra o sexto mandamento.
4. O padre que revela algo ouvido em confissão.
5. O bispo que ordena um padre a bispo sem mandato pontifício.
D. José Cardoso Sobrinho, cujo lema de arcebispado é PIETATIS CARDO IUSTITIA (O fundamento da piedade é a justiça) mostrou-se um zeloso cumpridor da lei.
A CNBB reagiu cheia de dedos, afinal tratava-se de autorizar ou não as palavras de um membro da hierarquia: “Diante da complexidade do caso, lamenta-se que este não tenha sido enfrentado com a serenidade e o tempo necessário que a situação exigia".
Já o Pe. Márcio Fabri dos Anjos, doutor em bioética, foi mais incisivo: “A primeira palavra que eu esperava ouvir da Igreja é a de que Deus está do lado de quem sofre".
Infelizmente, depois da democratização do Brasil, do ocaso da Teologia da Libertação e da nova ordem mundial a hierarquia católica segue uma pauta que não congrega e muito menos cria um consenso operacional.
Do lado conservador é a obsessiva preocupação com hierarquia, camisinha, virgindade, divórcio, masturbação e afins. No campo progressista são debates insossos e áridos sobre transposição de rios, privatização da Vale do Rio Doce ou então plebiscitos inócuos e incompreensíveis sobre dívida externa e a Alca.
A Igreja defende a vida de modo intransigente e isso só nos pode trazer alegria. Mas existem inúmeras situações que atentam diretamente contra a dignidade da vida e não merecem da Igreja mais que um silêncio cúmplice.
Marcelo Coelho cita como exemplo a fabricação e exportação de minas terrestres pelo Brasil, que mutilam africanos e asiáticos; a propaganda de bebidas alcoólicas e o consumismo desenfreado a que a TV anda expondo menores. “Em casos como esses, fugiriam de uma teimosia doutrinária quase talebânica e poderiam construir algum consenso”. E, já que se trata de defesa da vida, podiam pensar na situação dos aposentados ou nas empregadas domésticas sem registro em carteira, em vez de condenar a mãe de uma menina de nove anos estuprada pelo padrasto.
Mas uma luz surgiu no fim do túnel. Em artigo publicado no dia 15 de março no "Osservatore Romano", jornal oficial do Vaticano, monsenhor Rino Fisichella, presidente da Pontifícia Academia para a vida, como se dirigisse à garota escreveu: "Há outros que merecem a excomunhão e o perdão, não aqueles que salvaram sua vida e a ajudarão a recuperar a esperança e a fé".
O monsenhor avaliou que a vida da criança estaria em perigo se a gestação fosse levada adiante. E foi enfático em sua defesa, pedindo respeito ao médico e à mãe da garota, que são católicos e foram condenados publicamente. "Antes de pensar em excomunhão, era necessário e urgente salvar aquela vida inocente e trazer de volta sua dignidade, algo que, nós, da igreja, deveríamos ser experts e mestres em proclamar", disse. A garota "deveria ter sido, acima de tudo, compreendida e tratada com delicadeza para fazê-la sentir que todos nós, sem distinção, estamos ao seu lado. – Não era, portanto, necessária tanta urgência em dar publicidade e declarar um fato que se atua de forma automática (a excomunhão), mas sim um gesto de misericórdia”.
Espero que estas palavras, vindas de uma fonte oficial da igreja, acalmem vozes católicas que ainda acreditam que o homem é que foi feito para o sábado. Vozes estas que estão ululando, numa frenética e dispensável manifestação de apoio à ortodoxia católica, em diversos sites de movimentos eclesiais bem conhecidos.
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