Este é um blog de opinião. As postagens escritas ou selecionadas refletem exclusivamente a minha opinião, não sofrendo influência ou pressão de pessoas ou empresas onde trabalho ou venha a trabalhar.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Valeu a pena?

Hoje, 02.11.2009, fui testemunha do enterro de mais um policial militar abatido pela loucura de um covarde. Era um bom homem, mas era policial militar e sobre ele toda a incompreensão da sociedade.


Francisnato representava o que tínhamos de melhor em preparo e destemor na corporação. Foi vítima do cumprimento do dever e da própria sociedade que jurou defender.


Triste e vergonhosa lei. O assassino terá a seu lado a lei que desprezou ao fazer fogo e tirar-lhe a vida. Daqui a bem pouco tempo terá assegurado por um alvará de soltura (se não a absolvição no julgamento como o ocorrido recentemente) o convívio dos familiares, o convívio que negou a três inocentes, os filhos do Francisnato.


Sua mulher poderá visitá-lo na prisão dois dias por semana, terá respeito entre os colegas de prisão por ser um matador de policial, terá colchão, alimentação, segurança, assistência médica, terá ainda com razão, muita esperança. Terá tudo o que negou.


Seu sacrifício terá valido a pena?


Como resposta, guardemos silêncio e fiquemos por aqui. Eu que tantas vezes combati a fragilidade dos "heróis" da história me envergonho de não ter palavras para honrar um herói de verdade, bom amigo, pai de família e cidadão. Francisnato é sim, um verdadeiro herói.

Recebi há uns 15 dias do amigo Ten Igor Adms um texto que resume de certa forma a vida policial militar e representa em quase totalidade as situações que enfrentou na curta existência motivada pela coragem e pela bravura.


COMO POLICIAL MILITAR, EU JÁ FUI QUASE TUDO...

Autor: * Tião Ferreira

Como policial militar, enfrentei o maior choque cultural da minha vida, ao ter de argumentar com todo tipo de pessoas, do mendigo ao magistrado, entrar em todo tipo de ambiente, do meretrício ao monastério.

Como policial militar, fui parteiro, quando não dava tempo de levar as grávidas ao hospital, na madrugada.

Como policial militar, fui psicólogo, quando um colega discutia com a esposa, diante da incompreensão dela, às vezes, com a profissão do marido.

Como policial militar, fui assistente social, quando tinha de confortar a mãe de alguma vítima assassinada por não possuir algo de valor que o assaltante pudesse levar.

Como policial militar, fui borracheiro e mecânico, ao socorrer idosos e deficientes com pneus furados.

Como policial militar, fui pedreiro, ao participar de mutirões para reconstruir casas destruídas por enchentes.

Como policial militar, fui paramédico fracassado, ao ver um colega ir a óbito a bordo da viatura.

Como policial militar, fui paramédico realizado, ao retirar uma espinha de peixe da garganta de uma criança.

Como policial militar, fui apedrejado por estudantes da mesma escola na qual estudei e fui professor, por pessoas do mesmo grêmio do qual participei.

Como policial militar, fui obrigado a me tornar gladiador em arenas repletas de terroristas que são membros de torcidas organizadas, em jogos de times pelos quais nem torço.

Como policial militar, sobrevivi a cinco graves acidentes com viaturas, nunca a menos de 120km/h, na ânsia de chegar rápido àquela residência onde a moça estava sendo estuprada ou na qual um idoso estava sendo espancado.

Como policial militar, fui juiz da vara cível, apaziguando ânimos de maridos e mulheres exaltados, que após a raiva uniam-se novamente e voltavam-se contra a polícia.

Como policial militar, fui atropelado numa blitz por um desses cidadãos que, por medo da polícia, afundou o pé no acelerador e passou por cima de vários colegas.

Como policial militar, arrisquei-me a contrair vários tipos de doenças, ao banhar-me com o sangue de vítimas às quais não conhecia, mas que tinha obrigação de tentar salvar.

Como policial militar, arrisquei contaminar toda a minha família com os mesmos tipos de doenças, pois, ao chegar em casa, minha esposa era a primeira a me abraçar, nunca se importando com o cheiro acre de sangue alheio, nem com as manchas que tinha de lavar do uniforme.

Como policial militar, fui juiz de pequenas causas, quando, em minha folga, alguns vizinhos me procuravam para resolver seus problemas.

Como policial militar, fui advogado, separando, na hora da prisão, os verdadeiros delinquentes dos "laranjas", quando poderia tê-los posto no mesmo "barco".

Como policial militar, fui o homem que quase perdeu a razão, ao flagrar um pai estuprando uma filha, enquanto a mãe o defendia.

Como policial militar, fui guardião de mortos por horas a fio, sob o sol, a chuva e a neblina, à espera do rabecão, que, já lotado, encontrava dificuldade para galgar uma duna mais alta, ou para penetrar numa mata mais densa.

Como policial militar, fiquei revoltado ao necessitar de um leito para minha esposa parir e, ao chegar ao hospital da polícia, deparar-me com um traficante sendo operado por um médico particular.

Como policial militar, fui o cara que mudou todos os hábitos para sempre, andando em estado de alerta 25 horas por dia, sempre com um olho no peixe e o outro no gato, confiando desconfiado.

Como policial militar, fui xingado, agredido, discriminado, vaiado, humilhado, espancado, rejeitado, incompreendido.

Na hora do bônus, esquecido; na hora do ônus, convocado.

Tive de tomar, em frações de segundo, decisões que os julgadores, no conforto de seus gabinetes, tiveram meses para analisar e julgar.

E mesmo hoje, calejado, ainda me deparo com coisas que me surpreendem, pois afinal ainda sou humano.

Não queria passar pelo que passei, mas fui voluntário, ninguém me laçou e me enfiou dentro de uma farda, né!?

Observando-se por essa ótica, é fácil ser dito por quem está "de fora" que minha opinião não importa, ou que, simplesmente, não existe.

Amo o que faço e o faço porque amo.

Tanto que insisto em levar essa vida, e mesmo estando atualmente em outra esfera do serviço policial, sei que terei de passar por tudo de novo, a qualquer hora, em qualquer dia e em qualquer lugar.

E o farei sem reclamar, nem recuar, porque se o senhor não guarda a cidade, em vão vigia a sentinela!

Por isso é que fazemos nossa parte: Vigilantes sempre!

Que deus abençoe a todos nós!


* Tião Ferreira é desenhista de quadrinhos, animador, estudante de História, ex-palhaço de circo, ex-carteiro, ex-policial militar e, atualmente, policial civil.Também é criador do blog Game Arte:

http://www.gamearte.blogspot.com/

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