Anote aí: Cruzeiro do Sul ainda é (infelizmente) a “cidade do já teve”.
Já teve hipódromo; Tribunal de Apelação; Banacre; Teleacre; Colonacre; Cageacre; três bispos; Expresso Batista; Festival da Mandioca (infelizmente, também); já teve prefeita (cruz credo!), e tantas outras coisas.
E já teve uma estátua do seu fundador diante da Catedral.
Tinha decidido não expressar minha opinião sobre o assunto. Tinha decidido deixar para 2021 no centenário da morte do Marechal Thaumaturgo. Não, enquanto estivesse tomado pela tristeza. Enquanto não tivesse encontrado as palavras certas e justas para julgar.
Continuo sem palavras, apenas me fazendo de morto para não espantar o coveiro, esperando o momento certo.
O monumento agora violado, desnudo é uma triste lembrança da desinteligência humana.
Sou pouco chegado a estátuas e as considero perfeitamente dispensáveis. Mas compreendo a razão e o sentido político delas. Assim como compreendo historicamente muitas outras coisas...
Como historiador, lembro das estátuas de Stálin e Saddan Hussain serem colocadas abaixo junto com os regimes que representavam. Estátuas são representações políticas. O que presenciamos por aqui, não é portanto, um fato novo na História.
“Para quem não tenha a alma pequena e vil, a experiência da História é de uma grandeza que nos aniquila”. Assim adverte o escritor Henri-Irenée Marrou (1904-1977).
Uma alma pequena e vil... a História é de uma grandeza que nos aniquila...
Não tínhamos o direito de vilipendiar a história nem a honra dos antepassados.
Thaumaturgo não é do meu tempo, eu nem sou “irmão” dele e ainda que fosse, talvez mantivesse a mesma passividade ou cumplicidade que observei nos seus parentes aqui do Juruá.
Mas não posso concordar com a falta de respeito. Não é pela estátua, é pelo que representava. Representava, isso mesmo, pois agora nem diante da Catedral nem atrás dela.
“O que fizermos em vida ecoa pela eternidade”. A frase é do filme Gladiador, mas serve tanto para o fundador como para seus sucessores. Por isso mesmo o Marechal continuará sendo falado, mesmo quando todos nós tivermos passado.
Maquiavel tinha razão - os fins justificam os meios, mas “o Deus que dá é o Deus que tira”.
Portanto, caminhemos, e veremos quem tinha razão. Caminhemos, de olhos e ouvidos abertos, atentos a tudo e a todos e veremos qual razão ou quais razões queriam nos fazer acreditar.
Caminhemos, apenas, e entenderemos afinal que os políticos governam ou desgovernam, mas são os historiadores escrevem a história.
São os caminhos e descaminhos da política. É uma pena, mas alguns políticos se fazem apenas para nos convencer da nossa imbecilidade.
Não há nada tão estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma e como não tenho palavras para definir o momento atual que experenciamos em Cruzeiro do Sul, lembrei do Gregório de Matos Guerra (1623-1696), terrível poeta bahiano, lírico, satírico, erótico e sacro (?). De língua afiadíssima e expressão máxima da literatura barroca no Brasil colonial. Na íntegra:
PRECEITO 2
No que toca aos juramentos,
de mim para mim me admiro
por ver a facilidade,
com que os vão dar juízo.
Ou porque ganham dinheiro,
por vingança, ou pelo amigo,
e sempre juram conformes,
sem discreparem do artigo.
Dizem, que falam verdade,
mas eu pelo que imagino,
nenhum, creio, que a conhece,
nem sabe seus aforismos.
Até nos confessionários
se justificam mentindo
com pretextos enganosos,
e com rodeios fingidos.
Também aqueles, a quem
dão cargos, e dão ofícios,
suponho, que juram falso
por conseqüências, que hei visto.
Prometem guardar direito,
mas nenhum segue este fio,
e por seus rodeios tortos
são confusos labirintos.
Honras, vidas, e fazendas
vejo perder de contino,
por terem como em viveiro
estes falsários metidos.
Um comentário:
Devemos lembrar das das coisas que já tivemos e temos e não damos muito valor...Lembro dessa mesma citação "que Cruzeiro do Sul já teve cinema" e hoje temos novamente cinema...mas a procura é tão pouco que corremos o risco de voltar a era do "já teve".
Postar um comentário