Este é um blog de opinião. As postagens escritas ou selecionadas refletem exclusivamente a minha opinião, não sofrendo influência ou pressão de pessoas ou empresas onde trabalho ou venha a trabalhar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A "CIDADE DO JÁ TEVE"

Anote aí: Cruzeiro do Sul ainda é (infelizmente) a “cidade do já teve”.


Já teve hipódromo; Tribunal de Apelação; Banacre; Teleacre; Colonacre; Cageacre; três bispos; Expresso Batista; Festival da Mandioca (infelizmente, também); já teve prefeita (cruz credo!), e tantas outras coisas.


E já teve uma estátua do seu fundador diante da Catedral.


Tinha decidido não expressar minha opinião sobre o assunto. Tinha decidido deixar para 2021 no centenário da morte do Marechal Thaumaturgo. Não, enquanto estivesse tomado pela tristeza. Enquanto não tivesse encontrado as palavras certas e justas para julgar.


Continuo sem palavras, apenas me fazendo de morto para não espantar o coveiro, esperando o momento certo.

O monumento agora violado, desnudo é uma triste lembrança da desinteligência humana.

Sou pouco chegado a estátuas e as considero perfeitamente dispensáveis. Mas compreendo a razão e o sentido político delas. Assim como compreendo historicamente muitas outras coisas...


Como historiador, lembro das estátuas de Stálin e Saddan Hussain serem colocadas abaixo junto com os regimes que representavam. Estátuas são representações políticas. O que presenciamos por aqui, não é portanto, um fato novo na História.

“Para quem não tenha a alma pequena e vil, a experiência da História é de uma grandeza que nos aniquila”. Assim adverte o escritor Henri-Irenée Marrou (1904-1977).


Uma alma pequena e vil... a História é de uma grandeza que nos aniquila...


Não tínhamos o direito de vilipendiar a história nem a honra dos antepassados.


Thaumaturgo não é do meu tempo, eu nem sou “irmão” dele e ainda que fosse, talvez mantivesse a mesma passividade ou cumplicidade que observei nos seus parentes aqui do Juruá.


Mas não posso concordar com a falta de respeito. Não é pela estátua, é pelo que representava. Representava, isso mesmo, pois agora nem diante da Catedral nem atrás dela.


“O que fizermos em vida ecoa pela eternidade”. A frase é do filme Gladiador, mas serve tanto para o fundador como para seus sucessores. Por isso mesmo o Marechal continuará sendo falado, mesmo quando todos nós tivermos passado.


Maquiavel tinha razão - os fins justificam os meios, mas “o Deus que dá é o Deus que tira”.

Portanto, caminhemos, e veremos quem tinha razão. Caminhemos, de olhos e ouvidos abertos, atentos a tudo e a todos e veremos qual razão ou quais razões queriam nos fazer acreditar.


Caminhemos, apenas, e entenderemos afinal que os políticos governam ou desgovernam, mas são os historiadores escrevem a história.


São os caminhos e descaminhos da política. É uma pena, mas alguns políticos se fazem apenas para nos convencer da nossa imbecilidade.


Não há nada tão estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma e como não tenho palavras para definir o momento atual que experenciamos em Cruzeiro do Sul, lembrei do Gregório de Matos Guerra (1623-1696), terrível poeta bahiano, lírico, satírico, erótico e sacro (?). De língua afiadíssima e expressão máxima da literatura barroca no Brasil colonial. Na íntegra:


PRECEITO 2

No que toca aos juramentos,

de mim para mim me admiro

por ver a facilidade,

com que os vão dar juízo.

Ou porque ganham dinheiro,

por vingança, ou pelo amigo,

e sempre juram conformes,

sem discreparem do artigo.

Dizem, que falam verdade,

mas eu pelo que imagino,

nenhum, creio, que a conhece,

nem sabe seus aforismos.

Até nos confessionários

se justificam mentindo

com pretextos enganosos,

e com rodeios fingidos.

Também aqueles, a quem

dão cargos, e dão ofícios,

suponho, que juram falso

por conseqüências, que hei visto.

Prometem guardar direito,

mas nenhum segue este fio,

e por seus rodeios tortos

são confusos labirintos.

Honras, vidas, e fazendas

vejo perder de contino,

por terem como em viveiro

estes falsários metidos.

Um comentário:

Marcus Vale disse...

Devemos lembrar das das coisas que já tivemos e temos e não damos muito valor...Lembro dessa mesma citação "que Cruzeiro do Sul já teve cinema" e hoje temos novamente cinema...mas a procura é tão pouco que corremos o risco de voltar a era do "já teve".