Tenho acompanhado com grande expectativa a decomposição política do Senador Zé Sarney.
Pensei num discurso para esconjurá-lo para as profundezas, mas como não tenho vocação para a oratória, lembrei de um dos maiores, senão o maior orador da história, Marco Túlio Cícero e suas famosas Catilinárias.
As Catilinárias são um conjunto de quatro discursos em que Cícero acusa o Senador Lúcio Sérgio Catilina (daí, Catilinárias) de traição contra a República.
É incrível como permanece atual, mesmo a 2072 anos depois (data de 63 a.C). Tão atual que substituindo Catilina por Sarney temos a impressão que Cícero era chegado a uma profecia.
De quando Sarney se recusa a deixar Roma
Até quando, Sarney, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio?
Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto te conseguiu perturbar?
Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste e que deliberações foram as tuas?
Oh tempos, oh costumes! (talvez a frase mais conhecida e repetida de Cícero). O Senado tem conhecimento destes fatos, o Cônsul os tem diante dos olhos, todavia, este homem continua vivo. Mais ainda: até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos com o olhar, um a um, para a chacina.
E nós, homens valorosos, cumpriremos o nosso dever para com o Estado, se evitarmos os dardos da sua loucura.
À morte, Sarney (é forte, mas foi assim mesmo), é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do Cônsul. Contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.
Públio Cipião, pontífice máximo, mandou matar Tibério Graco, que levemente perturbou a constituição do Estado. E Sarney, que anseia por devastar a ferro e fogo a face da terra, haveremos nós, os cônsules, de suportá-lo toda a vida?
E já não falo naqueles casos de outras eras, como o fato de Gaio Servílio Aala ter abatido, com suas próprias mãos, Espúrio Mélio, que alimentava idéias revolucionárias.
Havia outrora nesta República uma disciplina moral (meu Deus, que frase atual!): os homens de coragem puniam com mais severos castigos um cidadão perigoso do que o mais implacável dos inimigos.
Temos um decreto do Senado contra ti, Sarney. Um decreto rigoroso e grave. Não é a decisão clara nem a autoridade da ordem aqui presente que falta à República: nós, digo publicamente, nós, os cônsules, é que faltamos.
Decidiu, um dia, o Senado, que o Cônsul Lúcio Opímio velasse para que a República não sofresse dano algum. Pois nem uma noite passou: Gaio Graco, apesar da sua tão nobre ascendência, de pai, de avô e de seus maiores, foi morto por causa de certas suspeitas de revolta.
(...)
Nós, porém, já há vinte dias (há 50 anos) consentimos no enfraquecimento do vigor de decisão destes homens. Temos um destes decretos do Senado, mas está fechado nos arquivos, como espada metida em bainha.
Segundo esse decreto senatorial, tu, Sarney, deverias ter sido imediatamente condenado à morte. E eis que continuas vivo, e vivo não para abdicares da tua audácia, mas para nela te manteres com inteira firmeza.
É meu desejo, venerandos senadores, ser clemente. É meu desejo, no meio de tamanhos perigos da República, não parecer indolente, mas, já eu próprio, de inação e moleza me acuso.
(...)
Se neste momento eu te mandar prender, Sarney (Senador não pode ser preso, Cícero), se eu decretar a tua morte, o que, sobretudo terei de temer, tenho certeza, é que todos os bons cidadãos me censurem por ter atuado tarde, e não que haja alguém a dizer que usei de crueldade excessiva.
Porém, aquilo que já há muito deveria ter sido feito, fortes razões me levam a não o fazer ainda: hás de ser morto, sim, mas só no momento em que já não for possível encontrar ninguém tão perverso, tão depravado, tão igual a ti, que não reconheça a inteira justiça desse ato.
Enquanto houver alguém que ouse te defender, continuarás a viver, e a viver como agora vives, cercado pelas minhas muitas e fiéis guardas, para não poderes te sublevar contra o Estado.
Os olhos e os ouvidos de muita gente, sem disso te aperceberes, te hão de espiar e trazer vigiado como até hoje o têm feito.”
(Marco Túlio Cícero – Catilinárias)
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