Era um menino duro de nascer. Três dias empalhando a mãe, a avó, às vezes o pai, as parteiras e até os pacientes.
Na espera pelo nascimento até um cidadão do isolamento que há meses "esperava só a hora" se abalara com o caso e havia melhorado um pouco, o que em se tratando de alguém no isolamento e "aguardando a hora" é deveras preocupante, afinal, dizem que todo doente quando vai morrer tem uma pequena melhora.
Era o que se poderia considerar um menino "encruado". Nove meses, quase dez, e nascer que era bom, nada!
A direção do hospital já estava impaciente. Fosse pela despesa que a paciente gestante estava dando na cozinha, fosse pela questão humanitária, o certo é que a situação já abalava a todos e o hospital era um fuxico só.
As parteiras do plantão iam embora e quando voltavam da folga ainda encontravam a mulher empancada. Nada mais insuportável para um médico ou uma parteira que voltar do plantão e ainda encontrar um paciente do plantão anterior.
Mas a mulher estava lá, ainda, se escorando pelas paredes, gemendo pelos corredores, contando as lajotas do piso ou as tábuas do forro.
Dos mais impacientes, a avó era a menos paciente. Era sogra da mulher empancada. Ficava a lamentar o "sofrimento" do filho, sozinho, em casa, preocupado com ela, uma mulher já de idade, doente, bolando por hospital acompanhado mulher para ganhar menino e esperando menino que não queria nascer. E fazia questão de dizer isso à nora. Imagine que tipo de porcaria suja a cabeça de uma sogra...
Ela mesma, a velha, se punha a lamentar pelas coisas que tinha deixado lá pela Lagoinha onde morava: Falava nas galinhas, num capado, na horta e embaçava a voz quando lembrava da cachorra, que nem tivera tempo de recomendar à vizinha para dar comida.
Vez por outra, o quase-pai aparecia por lá. Levava guaraná e bolacha (não sei quem determinou que esse deve ser o cardápio de um convalescente) que entregava à mãe para fracionar em rações que deveriam durar o tempo que estivesse ausente. Ficava uns dois minutos, quase nada falava à esposa e demonstrava um zelo exagerado pela mãe, a quem fazia questão de beijar na chegada e na saída pedindo que ela cuidasse do filho que deveria nascer a qualquer momento.
As parteiras limitavam-se a realizar uma "dedada-exame" na mulher e esperar a vontade do menino. Que nascesse quando bem quisesse e achasse conveniente. Durante os exames, a velha sogra-avó, por não poder entrar com a nora, ficava "pastorando" na porta, esperando quem sabe por um choro, um grunido, um esturro ou alguma informação de alguma parteira que saísse.
Assim, quando a porta abria, ela perguntava: - Meu neto já nasceu? E a resposta era a mesma, apenas sequenciada por um tom mais agressivo por parte das parteiras a cada tentativa frustrada. - Não!!!
E por aí a coisa ia, a cada ida à sala de parto.
- Já nasceu?
- Não! E se nasceu, foi morto, você escutou algum choro?
Mais tarde, outra dedada na sala de parto, e a velha com medo de pegar mais um carão nem falou mais, apenas perguntou com a sobrancelha.
- NÃO!!! QUANDO NASCER, SE NASCER, VOCÊ VAI SABER!!!
Até que numa dessas, o menino espirrou. Um choro potente de quem tá na peia, berrado, escandaloso.
A velha não se conteve. Esqueceu do risco de pegar uma esculhambação das parteiras e bem devagarinho foi abrindo a porta e chamou uma das parteiras.
- "MANINHA(gente simples fala assim quando quer intimidade), MEU NETO JÁ NASCEU?
- JÁ!!! NÃO TÁ OUVINDO O ESCÂNDALO???
- É "PREFEITO", É?.
- AH, SEI NÃO, PREFEITO EU ACHO MUITA COISA, TALVEZ UM VEREADOR!!!
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