Antigamente, até o final dos anos 90, na frente da Catedral de
Cruzeiro do Sul havia uma modesta pracinha. Era a "praça de
baixo"(Praça da Integração), em oposição à "praça de
cima" (Praça da Bandeira) onde em agosto era realizado o novenário.
Aos sábados, depois da missa da noite, era na praça de baixo que
os jovens paqueravam. Dali, dependendo do sucesso nas "conversadas" o
destino era a praça de cima e dependendo da sorte, o cais, para "terminar
o serviço".
Descrevo em parte situações vividas por jovens pobres, sem
transporte (incluindo bicicletas e mobiletes), pois os ricos já ostentavam
pelas ruas suas MLs ou Todays e levavam suas companheiras para o Plaza ou
Cê-Ki-Sabe, os melhores motéis da cidade.
Isso até acertadamente mudarem o novenário para a Praça da
Integração e construírem a Praça do Centro Cultural.
Acontece que de maneira escrachada, como sempre, o povo já faz uma
piada. Pode ser o que for, de procissão a velório, tem sempre alguém fazendo
uma graça. Lembra do "Festival da Mandioca" (ou macacheira, nem
lembro ao certo) que o ex-quase-tudo Aluízio Bezerra inventou? Era cada uma...
Pois bem, por essas gracinhas é que rapidamente o Centro Cultural
(que na conta dos puxa-sacos nos últimos 3 anos em qualquer evento realizado
pela prefeitura reúne mais de 15 mil pessoas) passou a ser conhecido como
GAMELÃO e esse ano em particular, apenas GAMELA.
De tanto o povo falar, a imprensa e as autoridades ligadas à
segurança pública em suas entrevistas sedimentaram os termos: GAMELA, GAMELÃO,
GAMELEIRA(ops! assim um repórter descuidado, ao vivo, falou).
Mas foi GAMELA, o nome que me motivou a fazer esta reflexão.
Principalmente porque lembrei que GAMELA a menos que o significado tenha
mudado, sempre foi o prato do porco.
Poderia encerrar por aqui, mas como não estou muito apressado...
Imaginando que o significado pudesse ter mudado, pesquisei no
google e selecionei duas fontes. Uma delas é do dicionarioinformal:
Gamela -Vasilha de madeira,
utilizada principalmente utilizada para dar comida a porcos, galinhas e outros
animais domésticos. Ex.: Dê ração aos porcos na gamela.
Tem sido na GAMELA que o povo cruzeirense
tem recebido dos “seus donos” as rações de “pão e circo”. É no carnaval, no Dia
das Mães, no Dia das Crianças, no Natal e no Ano Novo, que os miseráveis vão
aplaudir seus deuses – deuses aproveitadores, demagogos e carrascos.
No Ano Novo a bestialidade chega
ao extremo. Milhares de coitados prendem a respiração enquanto o dono da festa
faz a contagem regressiva: “...Quato, treizi, doizi...” e aplaudem enquanto do
Alto da Glória os tiros das bombas torram nossa riqueza.
Já a outra, do Wikipédia, embora
reforce a idéia de “vasilha para alimentar animais”, apresenta um elemento
novo, desconhecido para a maioria das pessoas. GAMELA como um termo da política
brasileira:
Gamela é uma vasilha com a forma de
uma tigela ou bacia, esculpida em madeira retirada de árvores cuja madeira é
macia, um exemplo é a gameleira.
Pode ser redonda ou ovalada e é
utilizada, quer na alimentação humana, como prato ou vasilha para levar a comida
à mesa, quer para dar de comer aos
porcos, para banhos, lavagens e outros fins.
Apesar de construção
aparentemente simples, a gamela, que atualmente é utilizada apenas por pobres
ou como ornamentação em casas mais abastadas...
Victor Nunes leal, autor de
Coronelismo, Enxada e Voto, também empregava o termo de gamela para compreender
o processo de apatrinhamento político das famílias tradicionais (filhotismo).
Olha só a mensagem subliminar no
nome GAMELA. Apadrinhamento político, famílias tradicionais, Coronelismo... meu
Deus, que semelhança...!
Ver um carnaval do palanque ou
da “beirada da Gamela” é sentir vergonha de ser cruzeirense.
É sentir pena de um povo que
feito animais vai esperar sua cota de ração.
Olhar para o palanque é sentir
nojo dos que fazem questão de aparecer, de se lançarem candidatos com três anos
de antecedência, de ser visto pelos animais, pelos porcos, para que estes não
esqueçam quem é ainda o dono dos porcos.
De Centro Cultural a GAMELA... Eis
uma prova da sabedoria do povo.
Não há mesmo um nome mais
apropriado para LOCAL ONDE SE DÁ RAÇÃO AOS ANIMAIS E ONDE É POSSÍVEL SE PERDER A DIGNIDADE.
De Praça do Centro Cultural a GAMELA... Doravante GAMELA, para toda a eternidade...
Um comentário:
kkkkkkk depois desta nunca mais verei o local "com os mesmo olhos". Adiós, gamela e suas encrencas. Muito bom.
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