Diante da reportagem acima, da
TV Juruá, sob o título “Fiscais da prefeitura expulsam camelôs do centro da
cidade” em outros tempos eu diria “quem for tatu que cave, quem for macaco que
trepe”, mas quero me solidarizar com os camelôs do centro da cidade.
Não que morra de amores por
camelôs, que tenha esquema para defendê-los, que ganhe algum desconto em alguma
bugiganga que só eles vendem. Nem sei ao certo, mas suponho que por alguma
razão de humanidade e compaixão que me tocou ao ver o desespero de uma senhora
que se vê diante de algo maior que sua valentia de mãe e mulher – a retirada do
seu ponto.
Diante do perigo ela evoca pela
sua fé, não a fé em Deus como se poderia supor, mas a fé num líder ainda mais
poderoso se tratando de negócios que envolvem camelotagem e fiscais da prefeitura
– o prefeito.
Só o grande líder poderá
salvá-la, portanto ela o cutuca, dando-lhe a oportunidade de ser (pelo menos) igual
ao Aluízio e a Zila Bezerra, que até incomodaram, mas nunca a perseguiram como “agora”.
Aprendi que melhor que julgar,
ou antes disso, melhor mesmo é tentar se colocar no lugar do outro e avaliar o
que ele está passando. A reportagem já nos coloca no lugar dos camelôs, mas
gostaria de pelo menos neste caso, me colocar no gabinete do prefeito. Para uma
pessoa tão humilde, que entende como ninguém o sofrimento dos miseráveis, deve
ser uma peça terrível de julgar. Como também sou humilde, nascido numa vila humilde
do alto Juruá, como também já fui analfabeto (até os seis anos de idade) e
conheço como ninguém o sofrimento dos miseráveis, vou arriscar.
Em primeiro lugar, procuraria
saber exatamente onde é que os eleitores, digo, os camelôs, estavam acampados,
tipo assim, qual é a calçada de qual supermercado ou comércio eles estão
ocupando.
Depois, buscaria informações
sobre qual candidatura o comerciante incomodado apoiou na última eleição.
Se ele consta entre os doadores
da campanha, se é fornecedor, se vende fiado, se estamos devendo a ele e se ele
reclama muito.
Quantos são os camelôs (para
calcular o tamanho da manifestação e do piquete).
Quanto (em anos) falta para a
próxima eleição, (para calcular se até lá, há tempo suficiente para o assunto
morrer e ninguém mais lembrar do caso).
Pediria a cabeça do “desaforado”
que levou ou deixou levar ao ar aquela cena ridícula de uma mulher chorando
diante da câmera para comover a população.
Pesaria todas as medidas,
cuidadosamente, levando em conta principalmente, o impacto nas urnas, o
prejuízo causado por uma medida tão impopular e desgastante que é o confronto
com camelôs.
Talvez até falasse (antes de me
assegurar que não tinha nenhuma câmera ligada): Bando de ‘felas’ da puta...! quem sabe, Se
não saírem vou mandar descer a
porrada...! ou ainda, Se reclamarem digam
que podem meter o voto deles no...!
Talvez, dependendo do caso, procurasse
algum livro interessante na minha estante para me aconselhar. Pensando bem, para
não errar, melhor pagar logo o meu favorito - O Príncipe, de Maquiavel. Veja se
Maquiavel não combina comigo:
“Cada um entende que é muito
louvável para um Príncipe manter sua fé e viver integramente, não com ardis e
enganos. Contudo, vê-se por experiência que muitos Príncipes se tornaram
grandes porque não levaram em grande conta sua fé, e souberam, por ardil, enganar
o espírito dos homens e, por fim, sobrepujaram os que se fundaram na
lealdade[...]
Não é pois necessário a um
Príncipe ter todas as qualidades supracitadas, mas é preciso que pareça tê-las.
E até ousaria dizer, que se as têm e as observa sempre, elas lhe trazem danos,
mas fazendo de conta que as têm, então são proveitosas, como parecer ser
piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso e sê-lo, mas detendo então seu
espírito de modo que, se for preciso não sê-lo, possa e saiba usar o contrário.
Um príncipe é freqüentemente
obrigado, para manter seus Estados, a agir contra a sua palavra, contra a
caridade, contra a humanidade, contra a religião. É por isso que é preciso que
ele tenha o entendimento pronto para mudar, segundo os ventos da fortuna e as
variações das coisas lhe pedem e, como já disse, não se afastar do bem se
puder, mas saber entrar no mal, se há necessidade.
O Príncipe deve, pois,
cuidadosamente tomar cuidado de que nunca lhe saia da boca propósito que não
esteja pleno das cinco qualidades que citei acima e parecer, a quem o ouve e
vê, misericordioso, fiel, íntegro, religioso. E não há coisa mais necessária
que a de parecer possuir essa última qualidade.
Os homens em geral julgam antes
pelos olhos, porque cada um vê o que aparece, mas bem poucos têm o sentimento
do que você é e estes poucos não ousam
contradizer a opinião do grande número, que tem do seu lado a majestade do Estado que os sustenta, e como o pequeno
número não conta, quando o grande número tem em que se apoiar .
Que um Príncipe se proponha,
pois, como seu objetivo, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre
considerados honrosos e louváveis por cada um. Um Príncipe de nosso tempo, que
não é bom nomear, não canta outra coisa senão paz e fé; e é grande inimigo de
uma e de outra, e se de uma e da outra tivesse observado bem, não teria tirado
daí seu prestígio e o prestígio de seu Estado”.
Rapaz, que texto atual, que autor verdadeiro... Por isso Maquiavel é o guia espiritual e político (visto que eles confundem) de quase todos os nossos líderes.
Mas, voltando à reportagem, é uma pena ver justamente os que cultivam maior fé, diria até, fanatismo em relação ao futuro e aos mil anos de paz e prosperidade, se decepcionarem em tão pouco tempo.
Ah, e sobre ter que decidir sobre o futuro dos camelôs, Deus me livre de
ter que decidir uma coisa dessas. Melhor ser, ou tentar ser eu mesmo e pensar e
agir livremente. Melhor deixar cada um decidir com o peso das suas
responsabilidades ou dos seus compromissos.
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