Há uma semana preparei
este texto e só não o publiquei antes porque tive o cuidado de consultar o
Padre Frederico (atualmente em Broich, na Alemanha) sobre o Mutirão Nova
Esperança em Guajará.
Em poucos dias fui presenteado com um belo texto sobre o "Mutirão Nova Esperança" que será postado oportunamente.
Durante a semana guardei segredo sobre o tema para não correr o risco de alguém tentar me convencer de que a morte de um igarapezinho lá em Guajará-Am não é problema meu.
Há 22 anos tenho trabalhado duro. Não fiz riqueza nem sou frustrado por isso. Toda a minha riqueza (minha esposa e meus três filhos) posso levar comigo a bordo de um Fiesta 2005 financiado no Banco do Brasil. Acredito que isso me credencia a denunciar um crime ambiental.
Como acreano talvez
não devesse me preocupar com problemas amazonenses. Contudo, como amazônida e
cidadão, não deixaria de dividir com meus amigos uma preocupação.
O Igarapé Triângulo no
município de Guajará-Am está morrendo.
Também conhecido por
“Igarapé da Floresta”, o Triângulo é um afluente da margem direita do Igarapé
Badejo que por sua vez é afluente da Boa Fé, o maior (ou segundo maior)
afluente da margem esquerda do Rio Juruá que é um dos maiores afluentes do Rio
Amazonas.
O Juruá é o 17º maior
rio do planeta e o Triângulo não aparece em nenhuma pesquisa na internet. Pode ser localizado no google earth (o círculo delineia sua bacia).
Para a Geografia o
Triângulo não existe. Mas para mim e para todos os habitantes de Guajará-Am o
pequenino Triângulo existe. Por mais insignificante que possa parecer à
primeira vista o igarapezinho de dois metros de largura (em média) é um rio. Infelizmente,
temo que não por muito tempo. O Triângulo é o curso d’água que irriga o
Mutirão. O que foi o Mutirão Nova Esperança.
Na década de 80 o
padre Frederico Siegers, então pároco de Guajará, adquiriu na localidade um
terreno de 100 hectares e envolveu a vila no trabalho comunitário, coletivo, onde
todos eram donos e ninguém era dono. Era o que se conhece hoje (pelo menos na
essência) como mutirão.
A produção do Mutirão Nova
Esperança da Paróquia de São Francisco em Guajará garantia a sobrevivência dos
seus membros. O velho engenho para a produção de açúcar mascavo(gramixó) que
foi incendiado há uns anos era a prova do progresso e organização que o Mutirão
alcançou. Os tijolos do forno das caldeiras do engenho são os mesmos dos fornos
das raras casas de farinha que restaram por ali.
Os canaviais do
Mutirão produziam um açúcar de ótima qualidade e as moagens se estendiam por
semanas.
Após a saída de Padre
Frederico, a maioria dos sócios não perseverou na agricultura. Os jovens foram
seduzidos por empregos na prefeitura local(que se estabeleceu em Guajará no
final dos anos 80) e os velhos, cansados ou mortos abandonaram os Mutirão ou
foram abrigados a abandonar. Rodeado por duas grandes fazendas de gado o
Mutirão perdeu sua identidade.
Não apenas o Mutirão,
mas o Guajará perdeu sua identidade. Antes a cana-de-açúcar, a roça de
mandioca, o milho, as frutíferas, a mata ciliar, o igarapé correndo livremente,
preservado. Hoje, o boi, o bezerro, a barragem, o piau, a tilápia, o tambaqui e
a degradação ambiental.
Atualmente em Guajará,
só se planta boi. Não adianta plantar outra coisa, logo a brachiaria, a malva
ou a pluma invadem tudo. Atualmente, Guajará importa do mercado de Cruzeiro do
Sul cheiro verde, pimentinha, maxixe e banana.
A prosperidade dos dois
grandes fazendeiros do município seduziu os pequenos. Todos queriam ser
fazendeiros.
Mas a pecuária, como
qualquer outro investimento, precisa de capital e o futuro de um pecuarista que
conhece seu gado pelo nome não é outro senão a venda do seu lote a um de melhor
poder aquisitivo e migrar para uma das favelas de qualquer cidade.
Assim, a maior parte
da área do Mutirão foi parar nas mãos de um único dono.
Os que ficaram, desanimados
com a pecuária partiram para a construção de açudes. Desordenadamente, sem um
projeto, sem licenciamento ambiental, patrocinados pela prefeitura, sem que uma
única voz se levantasse, mataram o Triângulo.
Num único afluente
levantaram 13 barragens. São mais de trinta no total em todos os afluentes e
dois na nascente principal.
O resultado: Na
Comunidade Floresta, abaixo de Guajará, onde existe um pequeno balneário o
Triângulo está praticamente apartado, morto. Há vinte anos que conheço o
Guajará e o Triângulo nunca tinha parado de correr, por maior que fosse a
estiagem. A foto abaixo é do Triângulo em pleno verão, corrente e límpido antes das barragens.
Sem as águas do
afluente, o Badejo diminuiu também, o Boa Fé, o Juruá...
Torço para que as
barragens tenham sido mal feitas e com as primeiras chuvas uma a uma se rompa e
ele volte a ser um rio.
É tudo o que posso fazer.
Além disso, não há muito o que esperar pois descobri com surpresa que Guajará
tem secretaria de meio ambiente e quem responde por ela é também um dos
proprietários de barragem.
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