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sábado, 27 de setembro de 2014

Estátuas, lixo e dengue. Parabéns, Cruzeiro do Sul!

A imagem acima é da única caixa de lixo da minha rua, que ainda conserva a cor do município, aliás, a tinta deles parece ser mais resistente que o ferro.
No aniversário de 110 anos de fundação de Cruzeiro do Sul, a cidade ganhou uma estátua na praça, e eu, contribuinte, não ganhei uma caixa de lixo no meu bairro.

Não adianta querer saber quanto gastaram na confecção da estátua de um ex-governador, fatidicamente plantado no lugar do Obelisco (que vou escacaviar para saber onde jogaram).

Aliás, registre-se que a obra é de péssimo gosto, entre o Dadaímo e o amadorismo. 

Em nada, exceto pela cor (dourada, como se fora banhada à ouro) lembra o homenageado. 

Fosse da família, mandava tirar. Qualquer escola de samba, ou os bonequeiros de Olinda fariam melhor.

Tudo bem, pouco importa. Por aqui, se é legal, pode até ser imoral, mas os pobres, os miseráveis, hão de adorar. 

Aposto qualquer coisa, com quem estiver disposto a perder, que veremos velas acesas aos pés da escultura, de promessas ao santo.

Para um coitado da periferia de tudo, de senso crítico, desses que na ausência de remédios toma um chá com um pedaço da foto de um candidato para curar dor de cabeça, ficou lindo...hão de chorar emocionados, e tocarão na estátua e a beijarão...

Verei ali um lugar de romaria. Um lugar sagrado, daqueles que é impossível aproximar-se sem que nos cause alguma emoção estranha, desconcertante.

A emoção que senti já é uma velha conhecida, a revolta com a bestialidade humana. 

Revolta por não ter uma caixa de lixo no meu bairro. 

Enquanto os párias dançam ululantes em torno de uma estátua, a cidade se apavora com os recordes de casos de dengue. Mais de 6.000 casos já foram contabilizados.

Precisamos realmente de heróis empalados em praça pública? O escritor Eduardo Galeano na sua famosa obra As Veias Abertas da América Latina, citando Bertold Brecth, opina que não.

A pobreza intelectual de Cruzeiro do Sul, carece de heróis.

E os heróis daqui (como quase todos, do mundo todo), se fizeram heróis apenas porque tinham o poder nas mãos. Por méritos ou não, mas, como disse, não importa, desde que seja legal. 

Assim foi com Thaumaturgo de Azevedo, Mâncio Lima e o novo herói.

Qual o mérito, o heroísmo de fazer algo sendo pago e bem pago pelo serviço? Heróis pagos com dinheiro público merecem estátuas pagas com dinheiro público? (segundo informações, a obra de reforma da praça custou 3 milhões, quanto à estatua não foi declarado o valor...).

Heróis pagos e bem pagos em vida... Onde reside o heroísmo? 

Suponha que o alcaide não tenha usado o dinheiro de um direito nosso, que é ter uma caixa de lixo, para fazer a estátua para homenagear o primo dele (usou dinheiro público sim, pois está lá na placa a fonte do convênio).

Suponha que eu mande fazer uma estátua do meu avô, que foi um herói seringueiro explorado por patrões seringalistas, arrumariam um lugarzinho ali pela praça para ele? (talvez ele não se sentisse muito a vontade com a vizinhança).

Suponha que o administrador se importasse em parecer imoral... 
Não se deveria tratar a História dessa forma. O Obelisco de 1904, erguido por ocasião da Fundação da cidade que até 1957 ficava na Praça da Bandeira (com o início da construção da Catedral), foi retirado do local para dar lugar à estátua do ex-governador. 

Onde jogaram o Obelisco? 

Assistiremos passivamente a demolição da História? 

Reforma é diferente de demolição, estúpidos!

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