Cruzeiro do Sul nasceu na Boca
do Moa
POR ARQUILAU DE CASTRO MELO
Cruzeiro do Sul comemora 109
anos de fundação neste sábado (28). A
cidade foi, provisória e inicialmente, instalada no local denominado de
Invencível, na confluência dos rios Juruá e Moa (Boca do Moa). Ali, o seu
fundador, o marechal Gregório Thaumaturgo de Azevedo, fez construir algumas
barracas em madeira cobertas de palha, `a margem direita do Rio Juruá, para
acolher militares e servidores civis
destacados para servir ao Departamento do Alto Juruá .
Foi no Invencível, por exemplo, que no dia 12 de setembro
daquele ano -16 dias antes de fundação oficial de Cruzeiro- que se instalou,
numa barraca, o foro do Distrito do Alto Juruá,
tendo como juiz o magistrado Fernando Luiz Vieira Ferreira, em
solenidade da qual tomaram parte várias autoridades, dentre as quais o próprio
marechal Thaumaturgo.
No dia 28 de setembro de 1904,
no mesmo dia de inauguração da cidade, Thaumaturgo baixou decreto
transferindo-a da Boca do Moa para a localidade Centro Brasileiro aonde
aconteceu a solenidade. Em discurso,
Thaumaturgo, vigoroso defensor da extinção da escravidão no Brasil, explica por
que escolheu a data:
“Hoje, data também memorável, anniversitaria
de um grande facto político-social, alcançado depois de gloriosa luta
intellectual (...)no parlamento do imperio pelo(...)da saudosa memória,
(...)Maria da Silva Paranhos, (...)deliberei decretar a fundação sede
permanente da Prefeitura a que consta o nome de “Cruzeiro do Sul”, para
commemorar n’esta data o anniversario da
inesquecível lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871 e em honra do imortal feitor
dessa grandiosa lei.”
A Lei 2040 é conhecida como a lei do Ventre Livre,
promulgada em 28 de setembro de 1871, assinada pela Princesa Isabel, que
considerava livre todos os filhos de mulher escrava nascidos a partir da data
da lei. Ela foi um marco para a futura
abolição da escravatura, que ocorreu somente em 1888.
Mas mesmo depois de fundada,
como capital do Departamento do Alto Juruá, cujo território se estendia até o
hoje município de Feijó, Cruzeiro do Sul tinha apenas o status de vila. Somente
depois de quase dois anos, em 31 de maio de 1906, é elevada à condição de
cidade, pelo seu fundador ao argumento de que já tinha “proporções superiores
às de uma Villa e até às de muitas cidades do interior do Brazil”. Eis o
decreto:
Um homem de caráter
Thaumaturgo nasceu no estado do
Piauí. Era engenheiro, bacharel em matemática, bacharel em direito e galgou
todos os postos do Exército Brasileiro até chegar ao posto de marechal. Foi
secretário da Comissão de Limites entre Brasil e Venezuela, governador dos
Estados do Piauí e Amazonas e prefeito do Departamento do Alto Juruá. Seus
biógrafos, invariavelmente, o classificam como homem honrado, inteligente e
enérgico.
O diplomata português Manuel
Fran Paxeco, que foi secretário do Departamento do Alto Juruá, na gestão de
Thaumaturgo, em uma obra intitulada “Um Homem de Caráter”, nos diz um pouco de
como era o marechal:
“Não nos iludimos. O Dr. Thaumaturgo é um
homem de caráter – em toda a extensão da palavra. A sua energia no castigo dos
bandoleiros que por aqui têm aparecido ficará gravada em caracteres de fogo nos
anais da República da Amazônia...”,
De fato, a história registra
vários momentos em que Thaumaturgo deu provas de seu patriotismo e de sua
virilidade. Logo que tomou posse como prefeito cuidou de expulsar “à bala” os
peruanos que instalaram uma alfândega para cobrar impostos, principalmente da
borracha, na foz do rio Amônea.
Quando convocado pelo governo
federal para demarcar a fronteira do Brasil com a Bolívia, antes Revolução
Acreana, Thaumaturgo recusou o convite argumentando que a demarcação como se
desenhava iria prejudicar milhares de brasileiros que exploravam o corte da
seringa. Por esse ato de insubordinação foi punido pelo Exército.
Thaumaturgo estava sempre
envolvido em polêmicas. O insuspeito historiador e jornalista Craveiro Costa,
que foi secretário de educação na gestão de Thaumaturgo, relata que os
prefeitos dos departamentos eram arbitrários e violentos, mas que ele “foi um
prefeito honesto e trabalhador, com que atenuava as suas violências...”.
Com a experiência que adquirira
como governador dos Estados do Piauí e Amazonas planejou toda a cidade prevendo
ruas e avenidas largas, praças públicas, um museu e até mesmo um planetário.
Instituiu uma caixa de previdência estabelecendo impostos que deveriam ser
recolhidos por aqueles que explorassem o trabalho de índios menores de idade.
Criou uma lei trabalhista para reger as relações entre os seringalistas e
seringueiros e regulou o livre trânsito dos regatões através dos rios, contrariando
os interesses dos seringalistas que entendiam ter a posse dos rios que cortavam
seus seringais.
O fundador da capital do
Departamento do Alto Juruá, bem assim como os demais prefeitos designados na
ocasião para administrar os dois outros Departamentos (Alto Purus e Alto Acre),
como era então dividido o território, tinham amplos poderes para escolher,
inclusive, os nomes das cidades. O general Siqueira de Menezes, do Departamento
do Alto Purus, resolveu homenagear um amigo e também militar dando o nome de
Sena Madureira, à capital do Departamento do Alto Purus. Thaumaturgo foi mais
feliz com Cruzeiro do Sul.
Arquilau de Castro Melo é
desembargador aposentado
Imagem: Google Earth
Fonte: Blog do Altino Machado
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