E era mesmo a vacina. E em todos
causou reação: homens arrumando pescarias, caçadas e outras desculpas; crianças
em desconsolo querendo escapar; cachorros como em dias de mudança e galinhas
escolhidas para estrangulamento.
Naquele
momento, mesmo o melhor conferencista nas artes da medicina, não seria capaz de
estabelecer a diferença entre injeção e vacina. Seria o tamanho da agulha, o
líquido injetado, o local da aplicação, mas nada, nada que aliviasse a angústia
de uma espera certa, fatal. Os argumentos até que eram bons. O sarampo, a
catapora, a varíola, a tosse-braba e outras pestes, seriam varridos para
sempre. Bons argumentos na fila da vacina, a avançar em cadência anormal,
acelerada.
Os
dissabores de um mazelento eram facilmente alardeados e comprovados em qualquer
casa. Catapora, tosse-braba, sarampo e papeira, a olho nu, dividiam as pessoas
em dois grupos: os que já tiveram e os que teriam.
A
catapora, apresenta-se por pequenas bolhas que erupcionam a pele, coceira
agradável, brotoeja boba. O infeliz está infectado há dias e não sabe, depois,
as bolhas crescem, aumentam, espalham, nascem nos lugares de maior pudor. O
corpo da vítima fica tomado por chagas dolorosas, profundas, da sola dos pés e
mãos, até a raiz do cabelo, o rosto, a língua, a garganta... As roupas
tornam-se um incômodo. Sem poder usá-las, o infeliz deita na palha da bananeira
e aguarda. Aguarda uma solução divina. Sal, sereno, comida reimosa e outros excessos,
devem ser evitados. Desmoraliza a ciência, que não encontra solução para tanta
desventura. Eleva as benzedeiras à categoria de santas, com suas ervas e seus
banhos de cozimento.
O sarampo, quando
açoita em carcaças menos afortunadas, faz de modo temeroso, vítimas e vítimas.
Frieira de corpo todo, vermelhidão total, ataca o infeliz em vários “fronts”.
Respiração ofegante e impossível, febres, sudoreses, inapetência, vômitos,
diarréia e um enfezo no juízo. Como a catapora, apenas a paciência de uma
espera.
A
tosse-braba e a papeira, embora menos perigosas, careciam de grandes cuidados,
principalmente a papeira, que ao menor esforço físico e extravagância do
enfermo, poderia descer para as partes sexuais, e, no caso dos homens, causar
esterilidade. E nem esses argumentos eram fortes o bastante para convencer
angustiados em fila, nem vacinados em desobjetiva carreira.
Por
tudo falado de antigamente também é verdade, que as mães não precisavam de
argumentos para convencer os filhos. Uma boas lamboradas resolveriam o
problema. Mas, como ainda hoje, uma boa conversa ensebava qualquer um.
Diante
da equipe vacinadora, quase em maioria, formada por negras carniceiras e
carrascos sorridentes, não havia machão. Apresentados, maluvidos, arengueiros e fobentos, se
prostravam em mínima eqüivalência. Os que davam cascudos, chulepes, biscas e camas-de-gatos nos menores e raquíticos, estavam
ali, naquele momento, estrebuchando também.
Quatro aparelhos em
rodízio, daqueles de vidro, passavam da chama do lampião – para desinfetar a
agulha – aos braços retesados pelo medo e por uma tentativa de fuga. Depois da
última espetada, quebravam-se as algemas, libertavam-se os cativos, e, em todos
os recantos, choramingos e lamentos faziam parte da paisagem. Mas pelo menos um
caso fugiu à regra.
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