Cruzeiro do Sul é uma cidade que tem sede. Sede de
justiça, sede de segurança, de saúde, sede de educação, sede de muitas outras coisas.
Sede de água mesmo.
Há mais de um século os moradores da Cidade de
Cruzeiro do Sul cavam suas cacimbas, e dessa forma ainda hoje, grande parte da
população tem sobrevivido. Ter cacimba é para muitos a garantia de ter pelo
menos na limpidez da água a pureza ideal para o consumo.
Para muitos, a água
encanada que o DEAS oferece não é confiável. A aparência não é cofiável. Por
uma razão qualquer, a água que chega aos reservatórios (a maioria desses
reservatórios são caixas de amianto, um produto altamente cancerígeno) não é a
mesma que sai da estação de tratamento.
Uma outra desconfiança diz respeito a origem do
igarapé onde o DEAS faz a captação. É o Igarapé São Salvador. Ocorre que o São
Salvador recebe um afluente contaminado por esgotos domésticos de vários
bairros entre eles o Aeroporto Velho. Claro que a água recebe tratamento
químico, é própria para o consumo, mas de onde vem a sujeira que acumula no
fundo dos reservatórios? Por isso, água consumida pela maioria da população é
ainda a água das cacimbas.
Mas, há também e num crescendo, aqueles mais “arranjados”
que partiram para a contrução de poços artesianos e semi-artesianos. Foi um
ganho enorme. Alguns desses proprietários de poços, da mesma forma que os
vizinhos pobres compartilham as cacimbas, instalam torneiras na parte externa
dos muros e dividem a água e consequentemente melhorando as condições de saúde
da população.
Até que os especialistas, os doutores e os sanitaristas, resolveram sair testando a qualidade da água
consumida em Cruzeiro do Sul. Em quase todas as amostras, foram encontradas “coliformes
fecais”(ver definição em http://pt.wikipedia.org/wiki/Coliforme_fecal), menos
em duas: a do DEAS e a Água Cristal (que foi fechada ano passado por falta de
documentação).
E as cacimbas? E os ribeirinhos? E os alimentos
servidos crus nas saladas dos restaurantes de self-service?
Sem a confiança na água encanada do DEAS e sem a
água “certificada” os cruzeirenses buscaram alternativas. Um empresário de
Cruzeiro do Sul, o Sr. Raimundo, proprietário do Posto Popular, contrariando a lógica
do capitalismo que seria a de aproveitar a oportunidade para ganhar dinheiro
com a venda de água, instalou algumas torneiras ao lado do posto afim de que a
população da cidade inteira pudesse matar a sede. Gratuitamente, sem cobrar
nenhum centavo.
O poço artesiano, numa profundidade de 50 metros era a salvação
das repartições públicas que estacionavam seus veículos e enchiam seus
garrafões. Vi parado por ali, veículos das diversas repartições públicas,
municipais, estaduais e federais.
Atitude assim é o que se poderia chamar de gesto
de cidadania. Isso é ser cidadão. Isso é para provar que um empresário pode ser um cidadão.
Mas era bom demais para continuar. Um teste de
laboratório constatou que a água é “imprópria” para o consumo humano. Diante
disso as autoridades mandaram que o proprietário suspendesse a facilidade e
retirasse as torneiras.
Meu Deus, que perigo!!! Se aquela água, que é a
mesma que ainda tenho em três garrafões aqui em casa (enchidos minutos antes da
interdição) e que serão regrados, o que pensar em relação às cacimbas da
cidade? Cacimbas de enxorrada, olhos d’agua, sem tampa e onde os morcegos se
refugiam e liberam suas fezes?
O que pensar em relação aos ribeirinhos? Se as
autoridades “competentes” proibiram a distribuição daquela água que é a mesma
que é utilizada pelos funcionários do posto, alegando “contaminação” e “imprópria”
para o consumo humano, deveriam patrulhar os rios, lagos e igarapés de toda a
Amazônia, dia e noite, para que os miseráveis não pudessem ter acesso ao rio. E
prender e processar qualquer um que use água “imprópria”.
Felizmente ainda temos os rios, mas acredito que
não por muito tempo. O próximo passo deverá ser a interdição dos rios.
Talvez eu a cidade inteira estejamos errados e a
razão esteja apenas na mente e nas canetadas dos especialistas ou nas teses
acadêmicas: Tráfico de drogas, violência, desemprego, falta de médicos,
corrupção, desvio de verbas, prostituição, trabalho infantil e tantas outras
mazelas sociais cruzeirenses, "SÃO CAUSADAS PELA MÁ QUALIDADE DA ÁGUA". Fechando as torneiras dos poços onde
a água pode não ser mineral e “certificada”, mas é menos ruim que a água das
enxorradas, esses problemas estarão resolvidos. Meu Deus, quanta inteligência...
Eles estão certos: É bem mais fácil fechar a
torneira de um poço artesiano que aterrar todas as cacimbas de Cruzeiro do Sul
ou interditar um rio. Sempre será mais fácil fechar uma torneira...
8 comentários:
As vezes me sinto uma filho duma égua por ainda morar nesse fim de mundo sem futuro... Aqui é pior do que a Dogville, porque aqui, até o que funciona, deixa de funcionar pela burrocracia dos nossos "cérebros"... isso me revolta, quando usava a água do Deas pra beber todos os meus familiares sofreram com doenças proveniente da água, giardia era um dos vermes malditos, isso acabou depois que passamos a consumir a água de lá, agora simplesmente não sabemos de onde recorrer, acabar com uma solução é fácil agora providenciem algum lugar que tenha uma água que preste pra beber no coração da Amazonia...
Revoltado é como eu me sinto, e sem contar que eram 4 torneiras e o dono do posto tinha acabado de colocar mais 10... por isso é que ele tem que matar todo mundo na unha mesmo, talvez se ele cobrasse ninguém teria se incomodado!
assim como a vigilância sanitaria faz vista grossa pro monte de produto vencido com etiqueta adulterada nas prateleiras dos nossos supermercados!
Ah! Franciney, aproveita e faz um post sobre as verduras e frutas que a anvisa deixou apodrecer no aeroporto também...
O melhor é ir embora daqui, não adianta querer ser o Moisés que vai tirar cruzeiro do sul do egito!
Ah! gostaria das tuas considerações sobre esse texto aqui http://www.textosetexticulos.com/2010/05/descoberta-de-atlantida.html
abraços!
Parabéns!!!
E bom saber que em Cruzeiro do Sul ainda tem gente que tem bom senso e sabe observar as "coisas" que acontecem na nossoa linda e "saco de pacanda" "Princesinha do Vale do Juruá". Como diz uma grande amigo meu "O Juruá é o Juruá. Lugar onde tudo pode acontecer e todo mundo diz amém. Parabéns mais uma vez Franciney pela sua coragem e determinação em observar e relatar, para que algumas pessoas possam lê e refletir. Mas mesmo assim a vida segue sem água certifica, mas com outras certificadas e permitidas.
Ailton Cassiano.
Texto belíssimo, corajoso, oportuno..., cidadão, Franciney. Realmente, nesse fim de mundo, escrevi uma vez: "Em Cruzeiro do Sul o Brasil começa mas também termina". Nesse começo de Brasil, autoridades que deixam as paisagens elegantes e violentas do Sul e Sudeste do Brasil querem fazer história, enriquecer currículo, bolsos. Alguns com coerência, outros, com abuso de autoridade. O que há de tão criminoso em dar água? Por acaso, há água sem contaminação neste adorável planeta envenenado? Certamente, porém, envenenado não só pela poluição, mas também pela ignorância, pelo abuso de poder, pela prepotência, enfim, pelo desconhecimento das tantas realidades que formam este país continental. Acredite, Franciney, nasci e cresci em Cruzeiro do Sul, cidade dos morros, ladeiras e cacimbas históricos. Vivi cercada pelos morros do Paraíba, da Glória, do Santo Cruzeiro. Na minha rua Linha do Tiro, havia a cacimba do Seu João Mariano, do Seu Lírio, do Vovô Moreira, que socorriam os moradores dos morros. Nunca vendemos nem compramos água. Levávamos as latas dágua na cabeça, no ombro ou no boi. Hoje, alguém que repete o gesto singelo dos nossos ancestrais é punido pelo órgão defensor do público. Alguém que, como você apropriadamente lembrou, ousou contrariar a lógica do capitalismo. Em qualquer país civilizado do mundo, essa atitude do empresário Francisco Raimundo de Oliveira, proprietário do autoposto Avenida, seria louvável até para os analistas de água, que se sentiriam constrangidos com a cor da água do DEAS e com os esgotos em que foram transformados nossos igarapés e rios. É estranho que antes do Autoposto Avenida, que fica numa das partes mais altas da cidade, por à disposição da população do Juruá seu poço artesiano não se ouvia falar em análise de água em Cruzeiro. Eu me pergunto se vivo mesmo num país civilizado. Também me pergunto em defesa de quem se levanta o Ministério Público, do povo, que, quando muito, recebe água do DEAS duas vezes por semana, que muitas noites não dorme esperando a água chegar porque não sabe que dia ou hora ela chega, mesmo morando na maior bacia hidrográfica do planeta, que pega água em qualquer cacimba de algum baixo da cidade? Isto é defender o povo? Tenho visto muitas autoridades jovens chegarem a Cruzeiro do Sul com pose e ares de pioneiros, como se tivessem descoberto o Juruá agora. E realmente acabam agindo como um capitão do mato, um coronel de barranco, um otário, na verdade. Ledo engano... O Juruá é do povo simples, do nordestino seringueiro, sofrido e corajoso, do índio pacífico, hospitaleiro e também corajoso, do sirio-libanês sem pátria, mas também corajoso. O Juruá é o Acre da simplicidade, da coragem e da fé em Nossa Senhora da Glória. O Juruá é de todos nós. E a água, o nosso alimento mais sagrado. Existe coerência no autoritarismo, mesmo de uma autoridade? Parabéns, Franciney! Realmente, temos sede .... principalmente de água e de justiça.
(Socorro Silva - Jornalista e servidora do Incra)
É um fato bastante interessante.Vejam bem: Comprovadamente bebidas alcoólicas e o cigarro,fazem mal a saúde da população.Mas ninguém proíbe.O primeiro está envolvidos em quase todo tipo de transtorno social,desde de pequenas transgressões até os mais horrendos acidentes automobilísticos.O segundo é o maior causador de mortes por doenças cancerígenas.Mas ninguém proíbe.Ao cidadão é dado o livre arbítrio.Sabe que pode fazer mal.Usa se quiser.E no caso da água ? porque também não cabe o livre arbítrio ? Quem deveria decidir se beberia ou não a água era o cidadão e não o poder público.Este, o máximo que deveria fazer seria alertar para a possibilidade de uma contaminação.E por acaso existe histórico ou uma relação direta entre os usuários daquela água e casos de internação hospitalar ?
Se tem uma coisa que eu temo é a intromissão do Estado, sobre o poder de decisão de seus cidadãos.Nesse caminhar, daqui há pouco, estarão nos proibindo de comer umas costeletas de porco,daquelas bem gordurosa, porque um dia poderá fazer mal à nossa saúde...
Parabens pelo excelente texto.....
Esse negócio de que água clorada é "própria para o consumo" é a maior balela. Pura química. Existem estudos mais avançados que demonstram a qualidade da água de preservar certos aspectos físcos na sua estrutura molecular. ou seja, memso depois de mortos os "coliformes fecais", a água continua, no fundo, uma merda. água boa é a que sai de olhos d'água e poços artesianos.
E tem gente que diz que a água não vai acabar... pode até ser que não, mas que está ficando escassa, já está. Quero lembrar que o fato de haver ou não coliforme fecal é relativo. A água do DEAS que está negativa para coliformes é devido ao fato de ter passado por processo químico que através do aumento do Ph mata as bactérias, porém, os verdadeiros patógenos "podem" ou não, estar presentes na água. A mesma água que apresenta negativo para coliformes, pode transportar verminoses, Giardia lamblia, Ascaris lumbricoides, Hepatite tipo A, Toxoplasmose dentre outros.
Agora vamos falar da água do poço do Sr. Raimundo. Os coliformes são bactérias que naturalmente habitam em nossos organismos como também na maioria dos seres de sangue quente. Estas bactérias se dividem em três gêneros, Escherichia, Enterobacter e Klebsiella, sendo que, as cepas de Enterobacter e Klebsiella de origem não fecal. A Escherichia coli tem seu habitat no trato gastrintestinal sendo indicadora de contaminação fecal.
Concluindo:
1 - A analise que foi realizada foi de coliformes totais ou fecais?
2 - Uma única análise não pode ser conclusiva num diagnóstico.
3 - A amostra foi retirada do poço ou da torneira?
4 - Qual a solução para a maioria da população?
Agora vamos pensar um pouco que faz bem...
Cachaça faz mal a saúde, mas você pode comprar...e é muito barato por sinal.
Cigarro faz mal a saúde, mas você pode comprar...e ainda escolhe marca e nacionalidade.
Comida vencida faz mal a saúde, porém você compra e paga caro.
Agora querem nós proibir de escolher qual água beber. Brincadeira.
Pensando bem, se eu ganhasse um salário de "doutor" eu tomava era banho com água mineral e só de chato compraria garrafas pets de 500 ml que custa a pequena bagatela de R$ 2,00 no mesmo boteco da esquina que vende cachaça.
Gostaria de saber de onde é a água que o povo abastado está consumindo.
Concluindo, acredito que já estou resistente e com a saúde de "ferro", mas quem só bebe água mineral, toda atenção ao consumir o picolé, o suco natural, o açaí e o buriti. Quanto a mim, que não me dou ao luxo de consumir água mineral, vou me virando do jeito que posso, com a lembrança de minha avó que dizia que atrás do pobre corre um bicho...
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