Um pouco de literatura engajada não faz mal a ninguém.
Com maior justeza agora em que alguns cretinos já se lançam candidatos a candidatos nas próximas eleições.
Tem cada um... Recebi esse texto por e-mail e compartilho por entender que é um apelo à tomada de consciência...
"Um homem de consciência" é um conto da obra Cidades Mortas de Monteiro Lobato. Se certas pessoas em Cruzeiro do Sul tivessem a conciência de João Teodoro, teríamos avitado muitas insanidades...
Um homem de consciência
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens.
Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si
próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João
Teodoro.
Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma
coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se
para terra melhor.
Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento
visível de sua Itaoca.
– Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons
– agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para
um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui.
A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está
acabando…
João Teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso
necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que
Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível.
– É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está
perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e
boto-me fora daqui.
Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para
delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio.
Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não
se julgava capaz de nada…
Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo
mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar
sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado –
e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!…
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro,
pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no
seu cavalo magro e partiu.
– Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e
bagagens?
– Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo
ao fim.
– Mas, como? Agora que você está delegado?
– Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não
moro. Adeus.
E sumiu.
(Monteiro Lobato)
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