AS RAPOSAS E O GALINHEIRO -
refletindo com as fábulas
*Por Cláudio Silva
A tradição oral da humanidade
sempre se valeu das fábulas para a transmissão de ensinamentos morais. Mas
também na Literatura, quantos não guardamos na memória narrativas marcantes,
lidas ainda na infância para nós pelos nossos pais e professores? Curiosas
estórias criadas por Esopo, Andersen, La Fontayne, o nosso Monteiro Lobato, e
tantos outros que se notabilizaram por elaborarem enredos que traziam lições de vida tão importantes, que até hoje, já
adultos, evocamos em muitos momentos.
Retomando as reflexões da
crônica anterior CONHECE A ESTÓRIA DO SÁBIO?, sobre a importância das decisões
na vida, vamos recorrer a uma fábula para ilustrar o peso agora das decisões
coletivas.
“Era uma vez um grande
galinheiro, onde viviam galos, perus, galinhas e várias outras aves com os seus
pintainhos. Certo dia, uma raposa procurou as aves responsáveis pelo lugar e
aparentando bondade e simpatia, propôs:
- Amigos, por favor não se
assustem, nem tenham medo de mim. Agora sou uma raposa regenerada, assim como
as companheiras do meu bando. E em nome delas vim aqui especialmente para fazer
uma proposta!
- Uma raposa boa? - exclamaram
desconfiados e guardando distância. - Chi, isso está muito esquisito!
A raposa continuou:
- Sabe, eu e minhas colegas
raposas estamos cansadas de viver correndo de um lado para o outro, fugindo dos
caçadores. Hoje estamos amadurecidas e resolvemos mudar de vida.
Transformamo-nos em raposas boas e respeitadoras de todos os galinheiros. Tanto
que seríamos incapazes de fazer mal a um só pintainho que fosse. Agora só nos
alimentamos de tenras frutas silvestres! – exclamou, conferindo emoção às
palavras.
É claro que ela não revelou que
eram perseguidas, porque ficaram famosas por aterrorizarem os galinheiros da
região, para roubar ovos e abater os galináceos que encontrassem pela frente.
E continuou:
- Queremos apenas um local para
viver em paz com todos. Um lugar sossegado como este galinheiro. Sabe amigas,
nós gostaríamos muito de vir morar aqui com vocês!
- Morar conosco aqui no
galinheiro? Não acredito!! - exclamaram as aves, quase que em uníssono, sem
crer no que estavam ouvindo.
- Calma, calma, meus amigos! Eu
explico. Não queremos nada de graça. Vocês só terão vantagens. - emendou a
raposa com um sorriso nos lábios e um semblante simpático e angelical.
- Vejam, - continuou a raposa –
como eu disse, vocês só terão vantagens mesmo. Como retribuição nós nos
comprometemos a assumir todo o trabalho do galinheiro. Já imaginaram? Terão uma
vida confortável, porque nós cuidaremos de suprir todas as suas
necessidades!
- Ooohhh! – exclamaram.
- E tem mais, – prosseguiu - eu
e o meu bando assumiremos também a segurança total do galinheiro. Iremos
protegê-los de todos os perigos. Não será uma maravilha?!
- Oba! Não precisar trabalhar!
Tempo livre pra fazer o que quiser. Legal! Não vamos perder essa! - festejaram
os mais exaltados.
Em tempos passados, numa época
que boa parte dos mais novos não havia chegado a vivenciar, aquele mesmo bando
havia semeado o terror no galinheiro deixando um rastro de destruição. E as
lembranças ainda estavam bem vivas na memória dos mais velhos.
– Calma pessoal. Essas coisas não se decidem assim. -
observaram alguns.
Ao que responderam:
- Calma nada. Vamos fechar o
negócio já. Seria uma burrice perder uma chance dessas. O que estamos
esperando? Vocês não viram? Só teremos vantagens!
Mas, entre exaltações de ânimos
e tentativas de ponderações, a maioria acabou concluindo que seria mesmo
prudente dar um tempo, e analisar melhor a proposta com os demais membros do
galinheiro. Afinal, em se tratando de raposa, é bom manter olhos e ouvidos
atentos, e ter sempre um pé atrás, como recomenda a sabedoria.
- Daremos a resposta outra hora,
dona raposa - disse um dos galos.
- Oh, que pena amigos, seria tão
prático para todos se decidíssemos já. Mas como preferem assim, tudo bem,
ficaremos aguardando com expectativa. Só peço um favor:- Disse a raposa,
batendo nos ombros dos galináceos e sempre sorridente-, pensem com carinho no
grande bem que iremos prestar à vocês, viu?
No galinheiro o assunto quando
foi apresentado causou grande alvoroço, como era de esperar. Uns alertavam que era muito perigoso confiar
em raposas. Outros, destacavam que aquela aparentava ser uma raposa diferente:
boa, simpática e bem intencionada, além das vantagens que oferecia. E julgavam
ser uma insensatez recusar oferta tão vantajosa que prometia revolucionar a
vida do galinheiro.
E durante um bom tempo aquele
foi o assunto mais discutido, até que chegaram a uma conclusão. A maioria
decidiu aceitar conviver com as raposas no galinheiro.
E assim aconteceu. O início,
como não poderia ser diferente, foi muito estranho, porque enquanto uma parte
das aves curtia deslumbrada as mordomias da nova vida, a outra se mantinha
desconfiada com as estranhas companhias. E as raposas, por sua vez,
esmeravam–se para ser o mais simpáticas, atenciosas e prestativas que pudessem com todos.
E à medida que o tempo passava,
as coisas foram-se acomodando e tudo pareceu confirmar o que havia sido
pactuado: as raposas trabalhando e tratando a todos com zelo e cordialidade e as aves curtindo as maravilhas da nova vida.
Até que uma noite, depois de um
longo tempo de convívio, quando já ninguém mais se lembrava dos temores do
passado, as raposas se abateram de surpresa sobre as aves e foram devorando uma
a uma as que encontraram pela frente, sem dó nem piedade. Assustadas, elas
tentaram fugir, mas em vão, porque eram presas fáceis para os temíveis animais.
Um galinho garnizé, tremendo de
medo, e que fora um dos mais entusiastas do pacto com as raposas, consegue
perguntar à que havia arquitetado todo o plano:
- Dona raposa, nós não as
acolhemos tão bem no galinheiro? Porque agora estão fazendo isso conosco?
- Ora, ora, seu bobinho,
simplesmente porque não podemos negar a nossa natureza de raposas!- respondeu
lambendo os beiços e olhando-o bem fixamente nos olhos.
E depois de uma sonora
gargalhada acompanhada pelas demais companheiras de bando...”
MORAL DA HISTÓRIA: Uma vez raposa...
"Os contos
de fadas são escritos para que as crianças durmam, e os
adultos despertem" (Hans Christian Andersen)
*Cláudio Silva é mestre em Educação,
Secretário Especial de Ensino Superior de Apucarana (Pr) e ex- presidente da
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR.
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