Ao povo brasileiro,
à comunidade internacional,
a todos (as) os (as) parentes
que se importam com a vida
Havia um tempo em que o Xingu
corria livre, liberdade que garantia a vida. Então decidem estrangular seu
curso. Decidem levantar um paredão em seu leito, amarrar um torniquete em sua
jugular e gangrenar seu sangue. Seguimos lutando…
Ao tomar o governo em 2003, as
forças de esquerda em coalisão com partidos de centro, com a insígnia de que a
esperança havia vencido o medo, prometeram iniciar um período em que poderíamos
ter atendidas boa parte de nossas demandas históricas. Para nós, povos
amazônidas, na aurora daqueles dias, já cuidavam de desengavetar o Projeto de
Morte Belo Monte e possivelmente gestavam planos de emparedamento de nossos
rios pelos quatro cantos de nossa Amazônia. Um duro golpe que não será
esquecido. Retomamos em 2008 a aliança dos povos de nosso rio Xingu e bradamos
um grito: “Xingu Vivo Para Sempre!” E seguimos na luta…
Percebemos que nessa dura luta,
na qual elegemos um inimigo poderoso afim de nos fazer mais fortes ainda,
muitos preferiram adotar o Desenvolvimentismo como verdade absoluta e única
solução para nossos males seculares. O círculo de poder em Brasília continuou a
adotar os grandes projetos de morte como artimanha para oferecer solução a
nossas seculares demandas por educação, saúde, moradia, segurança alimentar e
tantas outras. Suportamos o cinismo dessas políticas, a ganância das
empreiteiras, o avanço do agronegócio, aliados indispensáveis dos desmandos e
mentiras dos governos em todos os seus níveis. Ainda assim, seguimos lutando…
Nos solidarizamos com os irmãos
e irmãs do Rio Madeira em sua luta, ajudamos a denunciar crimes e demais
atrocidades ambientais, judiciais e, sobretudo, sociais, que viriam com a
construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Em plena cheia de 2014,
as próprias águas do Madeira parecem gritar por socorro e anunciar para o mundo
que megas construções desse tipo não serão facilmente suportadas por nosso
bioma amazônico e muito menos pelas pessoas que aqui sobrevivem diante disso.
Sofremos duros golpes de um dos
Poderes da República cuja missão principal é zelar pela justiça. O artifício
jurídico da Suspensão de Segurança, forjado durante a Ditadura Militar, foi e
continua sendo usado em tempos de “Democracia” para exatamente escarnecer desta
e dosdireitos dos povos por sua autodeterminação. A Constituição da República e
a Convenção 169 da OIT nada representaram para a cúpula do Judiciário
brasileiro, ao vermos acintosas decisões negar esse direito aos povos indígenas
e populações tradicionais. Ainda assim seguimos lutando…
Quando pensávamos estar sozinhos,
surge no cenário nacional um povo que atravessa duas bacias hidrográficas,
desconhecendo fronteiras, antecipando-se, num movimento típico de guerreiras e
guerreiros acostumados a grandes batalhas por seu território. O Movimento
Munduku Iperêḡ Ayu cuidou de nos ensinar, com esse gesto
solidário, que essa luta não é apenas nossa, mas de toda humanidade. Em
momentos tensos de um suposto diálogo, onde o governo federal insiste em mentir
para fazer prevalecer sua posição, esse povo guerreiro sofreu a dura repressão das forças
policialescas federais na Aldeia Teles Pires levando morte e destruição, depois
no canteiro de obras de Belo Monte, em seguida na capital da República, e
novamente em seu território, num claro sinal de que não se trata de um diálogo,
mas de um monólogo no qual o governo insiste em ser o único protagonista.
Apesar disso junto, e mais ainda, seguimos lutando…
Assim, essa luta nos ensinou que
a dor não tem fronteiras e a longa noite dos mais de 500 anos de opressão e
ataque ao modo de vida de nossa gente amazônida está longe de passar. Nunca
houve tanto sentido nas palavras de Che para quem “Não há fronteiras nesta luta
de morte” e que não “vamos permanecer indiferentes perante o que aconteça em
qualquer parte do mundo”. Como povos das águas amazônidas seguimos lutando…
Aprendemos na luta a empunhar a
verdade sobre os grandes projetos na Amazônia, em especial Belo Monte, e
denunciamos ao mundo as atrocidades que esta obra poderia e está a causar em
nossa região. Enquanto reafirmávamos a possibilidade de outro modo de vida, que
nada mais é do que o de nossos povos, o Governo brasileiro nos criminalizava e
criminaliza. Enquanto reafirmávamos a vida, o Governo brasileiro nos impunha a
morte de nossos rios. Enquanto dizíamos que é possível organizar-se para lutar
em nome da liberdade de pensamento e da livre associação, o governo nos
espionava e usava de práticas típicas da Ditadura Militar, sem que isso
causasse qualquer incômodo à camarilha burocrata pró-barragem, que em boa
medida foi vítima desse regime. Seguimos lutando…
Falamos ao mundo que Belo Monte
não matou a resistência. Seu cimento não embotou todos os olhos, nem seu
dinheiro comprou todas as consciências. Sua repressão não matou coragens nem
calou bocas, suas mentiras não ensurdeceram todos os ouvidos. A resistência, a
coragem, a verdade, a dignidade, a vida, nossos direitos não são negociáveis. É
o que afirmamos em nosso caminhar de luta…
Aos críticos que se colocam a
perspectiva derrotista, e dizem que Belo Monte é um fato consumado, que os
paredões de concreto estão sendo erguidos e que, por fim, acabamos derrotados,
o Xingu Vivo reafirma sua contrariedade ao projeto de morte que é Belo Monte, e
diz que nunca esteve tão atual e pulsante o grito #PAREBELOMONTE, pois nenhuma hidrelétrica
construída, em qualquer parte de nossa Panamazônia, representa uma sentença de
absolvição dos crimes e outras violações perpetradas contra os povos do rio e
da floresta. O eventual funcionamento de suas turbinas representa sim o
escarnecimento da Constituição, dos direitos fundamentais, da democracia e da
liberdade. Seguimos lutando…
E se Belo Monte não está só, se
de outros rios se ameaça tirar a liberdade, se em outras regiões se planeja
exterminar a mata, a vida indígena, do pescador, do ribeirinho, dos peixes, dos
animais, e onde tentarem plantar desconfiança, ganância, discórdia, fome,
desesperança e medo, estaremos lá com nossa resistência, coragem, solidariedade
e dignidade. Reafirmando sempre a autonomia dos povos de decidirem seu próprio destino,
direito e posição incompatível com os projetos de morte encomendados para nossa
Amazônia. É o que nos propomos em nossa luta…seguir lutando…
Seguiremos lutando pelo respeito
à vida, a cultura, a livre organização socioeconômica e política dos povos
indígenas, dos pescadores, dos ribeirinhos, das mulheres e dos homens do campo
e da cidade. Reivindicaremos a harmonia dos povos originários e tradicionais,
harmonia com os pássaros, com os peixes, com a floresta, com os rios, vivos
para sempre.
Se os rios são as veias da nossa
terra, onde houver quem os queira estancar, lá estará a nossa luta. Como homens
e mulheres das águas, onde houver quem queira lutar, lá levaremos nosso apoio e
a eles pediremos solidariedade. Nunca esteve tão atual nossa aliança Xingu,
Tapajós, Madeira e Teles Pires. Assim como os rios não conhecem fronteiras, não
haverá fronteiras para a defesa do nosso direito de decidir nossos destinos. A
luta nunca termina, pois como um velho sábio já nos ensinou “a luta é como um
círculo, se pode começar em qualquer ponto, porém nunca termina”.
Seguir lutando sempre!
Altamira-PA, 04 de abril de 2014
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