Esquerda, direita
Antônio Prata
A esquerda acha que o homem é
bom, mas vai mal – e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas
vai bem – e tende a melhorar.
A esquerda acusa a direita de
fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir,
marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não
fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).
Temos trânsito na cidade. O que
faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim,
diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não
está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade. O que
faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a
cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?,
cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra
frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.
Direita e esquerda são uma
maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os
dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes),
diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda.
(“filosofar é aprender a morrer”, Cícero). Você tem que se sentir bem com o
corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço
plásticas, rebate a direita. Neurótica! — grita a esquerda. Ressentida! — grita
a direita.
A direita vai à academia, porque
é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à yoga, porque o processo é
tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de
direita).
Um estudo de direita talvez
prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios
físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é
quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que
os vícios privados geram benefícios públicos — se encararmos vício privado como
o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a
melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de
esquerda).
Um estudo de esquerda talvez
prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os
resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da yoga
(processo, holístico e yoga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os
glúteos mais do que a musculação. (Yoga já é de direita, diz alguém que lê o
texto sobre meus ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce
torno, sempre se endireita”).
Dieta da proteína: direita. Dieta
por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo.
Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante
sobre os Vigilantes do Peso).
Evidente que, dependendo da
época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de
direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último
sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de
Paris). Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.
As coisas também mudam,
dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita.
Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um
suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um
generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista).
Leão, urso, lobo: direita.
Pinguim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo.
Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria
sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita.
Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro
que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que
se encontram no mapa). Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo,
calcanhar: esquerda. Bíceps, abdomem, panturrilha: direita. Nariz: esquerda.
Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade,
praticidade, razão).
Liquidificador é de direita.
(Maquiavel: dividir para dominar). Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o
apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes). Mixer é
um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de
pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, catchupe é de direita —
e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de
esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de
direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é
de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é
de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal
moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.
Graal é de direita, Fazendinha é
de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é
tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.
No sexo: broxada é de esquerda.
Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A
mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita,
mulher é de esquerda. (mas talvez essa seja a visão de uma mulher — de
esquerda).
Vogais são de esquerda,
consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y
chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman,
Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (A trema e a crase acham todo esse
debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).
“Eu gostava mais no começo” é de
esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.
Dia é de direita, noite é de
esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha
é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda,
quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de
esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é
de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de
direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do neutron
informou que ele prefere ausentar-se da discussão.
To be continued (para os de
direita)
Under construction (para os de
esquerda)
Antônio Prata é autor
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