A visita do governador Tião Viana
à Terra Indígena Katukina do rio Campinas neste dia 19 de abril atiçou o
recalque e tem gente repetindo o velho mantra de que os índios são “bêbados e
preguiçosos”. Principalmente porque Tião Viana fez a entrega de equipamentos
para produção e anunciou um programa de habitação para as aldeias. Não vou
entrar no mérito de que estes investimentos são apenas parte do cumprimento do
plano de mitigação da BR 364 e não fruto de alguma bondade humanista ou piedade
cristã.
Vou me ater ao fato de que nossa
sociedade cruzeirense, com mais 80% de DNA indígena, continua se olhando no
espelho e dizendo: “Não gosto de índio. São bêbados e preguiçosos”.
Será que é por isso nossas ruas e
esquinas estejam atulhadas justamente de bêbados e preguiçosos?
-Poxa, mas “eles” mataram um
taxista ?
O fato é que quem matou o taxista
estava sobre efeito de álcool. Já noticiamos dezenas de crimes como este
cometidos por não-índios e nem por isso dissemos que “nós” tenhamos matado um
taxista. Aliás, cinco taxistas foram mortos nos últimos dez anos em Cruzeiro do
Sul. Os outros quatro o foram por cruzeirenses não-indígenas. ( Só para
informar: pelo crime, Sérgio Katukina foi condenado há 24 anos de prisão em
regime fechado).
Não dizem as escrituras: “E por
que atentas tu no argueiro que está no olho de teu irmão, e não reparas na
trave que está no teu próprio olho?”.
Nossa sociedade parece ser
incapaz de enxergar suas próprias falhas e contradições. Apontá-las na direção
de outra sociedade: periférica, invadida e despida de seu modo de vida
tradicional, parece trazer algum conforto para quem não sabe o que fazer com
seus próprios bêbados e preguiçosos.
E ainda assim, o time que
representa a cidade usa (sem licença) o nome dos bravos “Náuas” – povo não
extinto, mas renascido no Igarapé Novo Recreio. Se soubessem a panema que isso
dá…
Será que vale a pena perder meu
precioso tempo contando que em uma aldeia se levanta às quatro horas da manhã?
Que antes da aurora já se busca a caça ou o peixe? Que, as onze (quando
finalmente chega o técnico de produção na aldeia) já se almoçou e já se está na
hora da ciesta?
Será que vale a pena citar que enquanto nossa pouco
produtiva elite urbana (a maioria funcionários públicos) se alimenta do suor
dos trabalhadores rurais, os índios comem a macaxeira que eles mesmos plantam?
Será que queremos que eles produzam soja para alimentar
porcos na China? Quanto progresso!
Será que vale a pena lembrar que se hoje Cruzeiro do Sul é
referência nacional deve-se em grande parte por ser o principal centro de
difusão do kambô ou vacina do sapo? Agradeçam aos katukinas por isso!
Ou talvez deva lembrar os “Tempos Modernos” de Charles
Chaplin, em que denuncia a sociedade automatizada e desumanizada da revolução
industrial que transformou homens em peças e engrenagens?
Porque será que assusta e incomoda tanto a visão de um povo
que sobrevive em pleno século XXI da caça e da pesca, que mantém sua identidade
em meio à globalização? Talvez o medo seja por que esta ideia parece encantar
cada vez mais às novas gerações urbanas, estas por sua vez desencantadas com
mito do progresso, consumo e desenvolvimento sem limites que nos coloca diante
da possibilidade da própria extinção.
Será crime resistir à extinção?
Leandro Altheman
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